Annyeong haseyo!
Tudo bem com vocês?
E vamos de indicação de filme mega premiado? Estou falando do aclamadíssimo “Drive my car” que foi indicado ao prêmio Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes em 2021, no qual ganhou três prêmios, incluindo melhor roteiro, e sendo escolhido como o representante japonês para o Oscar de Melhor Filme Internacional no Oscar 2022, o qual venceu. Na 79ª edição do Globo de Ouro, o filme ganhou o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro .
É um filme bem intimista, comovente, longo e não é para qualquer um, já aviso logo, mas te proporciona uma bela e interessante experiência; É uma obra que evoca sentimentos, sensações e reflexões em nós, espectadores. É uma história que nos leva ao caminho da superação do luto e acho que por isso o filme é tão longo e o carro tem função tão emblemática.
A história nos conta sobre um renomado ator e diretor, Yusuke Fukako (Hidetoshi Nishijima), que perde a esposa de repente e partir daí tem que seguir a sua vida enquanto aprendendo a conviver com a dor e a solidão deixadas e em dado momento entra em sua vida Misaki (Toko Miura) uma jovem motorista com a qual estabelece uma relação nascida dos longos silêncios dentro do carro.
Fonte: Adaptado de https://en.wikipedia.org/wiki/Drive_My_Car_(film)
Ficha Técnica
Drama: Drive my car
Japonês: ドライブ・マイ・カー
Roteiro: Ryusuke Hamaguchi
Direção: Ryusuke Hamaguchi
Protagonistas: Hidetoshi Nishijima, Toko Miura, Masaki Okada e Reika Kirishima
Gênero: Drama/Intimista/Comevente
Duração: 2h58min
País: Japão
Lançamento: 2021
Disponível: Netflix,Telegram e Fansubs
Sinopse
Yusuke é um diretor/ator teatral que repentinamente fica viúvo. Além da saudade, sobram o vazio e diversos arrependimentos. Dois anos depois, ele aceita voltar aos palcos e terá de lidar com a mulher que será sua chofer.
Fonte: Adaptado de https://www.papodecinema.com.br/filmes/drive-my-car/
Protagonistas
Yusuke Kafuku é o diretor/ator de teatro que vive uma solidão depois da morte repentina da esposa. Ele é atormentado por sua ausência e também pela culpa de seu falecimento, passado alguns anos ele poderá finalmente se curar do luto que o atormenta a anos.
Oto Kafuku é uma atriz/dramaturga que após a falecimento de sua única filha quando era criança desenvolve um bloqueio criativo e que só é desbloqueado após o sexo. Dessa forma ela vai criando suas histórias com a ajuda de seu marido e amantes até que ela morre repentinamente deixando um vazio e tristeza em seu cônjuge.
Misaki Okada é uma jovem motorista extremamente calada e desconfiada que é órfã e também vive as tormentas da culpa pela morte da mãe e junto com Yusuke ela descobre o caminho para sua redenção.
Desenvolvimento
Esse filme me trouxe um mix de emoções, tanto que nem sei muito bem como começar essa resenha. É uma obra que mexe com várias questões quotidianas da humanidade e que independe do idioma; fala das perdas, do luto, da superação, das relações mal desenvolvidas, das decepções. O filme é muito rico em adaptações para o seu enredo, temos a presença do autor japonês Harumi Mirakami já que o filme tem influência de um conto homônimo do autor publicado na coletânea Homens sem Mulheres.
Esse não é o único conto que o diretor Hamaguchi utiliza, ele também usa outros elementos de outros contos presente no livro, aliás, vemos uma grande influência da obra Tio Vânia de Anton Tchékhov já que a trama usa essa peça como condutor dos diálogos e evocações sentimentais e existenciais humanas.
Começamos o filme com um prólogo bem longo, ele dura 40 minutos!! E é muito bem utilizado para preparar o espectador para a atmosfera intimista que diretor quer evocar, esse preâmbulo nos situa na história do protagonista, no seu drama vivido em cena e também nos o porquê de suas decisões. Esses primeiros 40 minutos de trama já são um teste pesado aos telespectadores desavisados, como eu rsrsrs. E conforme ele vai avançando vamos saindo do tédio e cansaço e entrando na vibe do protagonista, Yusuke, e boa parte de sua história vai sendo contada dentro de seu carro lugar que ele repassa seu texto através de uma fita cassete gravada por sua esposa, Oto.
Aliás, nesse primeiro momento nos vai sendo revelada essa relação, esse casamento que parece ser harmonioso e feliz e que possui uma dinâmica nada convencional, a esposa tem picos criativos logo após ter relações sexuais com o seu marido. Logo após o ato ela conta uma história que virará um enredo para a televisão, já que ela é dramaturga. O marido a ouve pacientemente e também a auxilia nesse processo criativo e no dia seguinte ele lhe relata o que ela contou para que ela escreva, afinal, depois de acordar ela não se lembra de nada.
E assim eles vivem, aparentemente bem, até que um dia, Yusuke, tem uma viagem a trabalho mas que é cancelada de última hora e quando ele volta para casa pega a esposa transando com outro homem, um ator que ela lhe apresentou recentemente. Naquele momento ele finge que não viu nada já que o casal de amantes não percebe sua presença, logo, ele dá meia volta e sai do apartamento e quando a esposa liga para ele, para saber como foi a viagem ele mantém a mentira e diz que foi bem e normal.
Nesse momento a história me pega, porque eu imaginei que haveria uma briga mas nada disso acontece. Logo depois nos é contado que a filha deles morreu ainda pequena há mais de 20 anos atrás e foi justamente quando Oto deixou de atuar para escrever e Yusuke abandonou a televisão e se voltou para o teatro e em meio a essa grande perda, esse casal permaneceu unidos em sua dor mas evitando vários conflitos e criando caminhos do meio para manterem a sua relação. A forma criativa de Oto vem depois do prazer alcançado no sexo e o amor que Yusuke sente pela esposa entende que ele não é o único que consegue fazer com que ela crie essas histórias.
Ele sabe das traições da esposa e isso parece não o enlouquecer porque ele revela em um dado momento do filme que ele sabia que ela o amava mas que as traições fazem parte desse amor. Eu achei tocante e muito maduro porque evidentemente ambos se amavam muito e tinham cumplicidade, ao mesmo tempo em que essa última traição parece ter mexido mais com ele, Yusuke, já que pela primeira vez ele diz não lembrar da história que Oto lhe contou e ele também parecia diferente com ela.
Tanto que ela diz querer conversar com ele a noite e nesse momento tanto Yusuke quanto nós sabemos que essa será uma conversa definitiva ou pelo menos muito difícil que poderá mudar os rumos dessa relação, ele estaria preparado para isso? Acredito que não e foi justamente por isso que ele enrolou para voltar para casa e quando o faz dá de cara com a esposa caída no chão, inconsciente é tarde demais.
Ninguém espera morrer de uma hora para outra, né? Sempre achamos que teremos tempo. E morre ela sem terem aquela conversa difícil, sem sabemos o final da história que ela conta durante o sexo, nós também perdemos e também pensamos que sempre haverá coisas inacabadas na vida, né? Seja porque temos medo de enfrentá-las, seja porque morreremos ou outros morrerão. Muito emblemática essa perda e mais ainda para o nosso porta que terá que aprender a viver em meio a essa falta e culpa por se sentir responsável pela morte de sua amada esposa e tudo porque sentiu medo de encarar o próximo passo.
E assim ele passará os próximos dois anos de sua vida: tendo por companhia a voz de sua esposa com os diálogos da peça que ele fazia, Tio Vânia. A esposa gravou em uma fita cassete os diálogos para que o marido pudesse repassar o texto enquanto ele dirigia seu carro. Aliás, esse carro é um terceiro personagem sua presença é crucial e palco de boa parte dos diálogos que acontecem nesse filme. Os longos silêncios, as falas de Tio Vânia recitadas por Oto.
É dentro do carro que ouvimos as falas da peça para qual ele ensaia e que são tão cheias de significados e que vão sendo contextualizadas no decorrer da trama, é também dentro desse veículo que o íntimo do personagem nos é mostrado suas angústias, seus medos, seus arrependimentos.
E durante os momentos de silêncio vemos tantos sentimentos e inquietações que o personagem simplesmente ainda não consegue colocar pra fora e por isso o internaliza. E esse arrastar das cenas que são bem longas nos remetem ao processo do luto que também é longo, doloroso, difícil. Tudo nesse filme foi pensado para estar ali, cada elemento, cada enquadramento de cena.
Depois dos dois anos da morte de sua esposa, Yusuke, aceita trabalhar novamente com a peça Tio Vânia mas dessa vez como diretor e não ator, ele não consegue mais interpretar o papel de Vânia e aqui também temos uma revelação do personagem, ele nos confessa que o texto de Tchékhov porque o autor mexe com as emoções de quem o interpreta a ponto de não conseguir controlá-las.
E assim ele segue para recrutar o espetáculo e produzir essa peça na cidade de Hiroshima. Lugar também muito emblemático para o Japão ponto de destruição e reconstrução daquela nação e berço de luto e dor não poderia haver melhor lugar para Tio Vânia ser apresentado, né? Essa peça fala sobre amor, desejo, passagem do tempo, declínio físico, aridez da existência, o desalento e ainda traz uma mensagem de fé e tudo isso casa muito bem com o processo desse luto por qual Yusuke está passando.
Chegando a Hiroshima ele descobre que durante o tempo em que ele estiver envolvido nesse projeto ele ficará impedido de dirigir o seu carro, por questões administrativas e para isso lhe foi designado um motorista. Yusuke não gosta da ideia e tenta a argumentar mas sai vencido do embate. Preciso dizer que deixar outra pessoa dirigir seu carro é uma analogia para entregar a direção de sua vida a outra pessoa, um desconhecido e que ele gosta menos quando percebe se tratar de uma jovem mulher que será a sua motorista, Misaki.
Misaki é uma jovem mulher calada nada graciosa e muito desconfiada mas muito boa na sua profissão já que consegue conquistar a confiança do dono do carro que ela irá dirigir. E durante os deslocamentos acontecidos dentro desse carro esses dois personagens vão desenvolvendo uma relação nascida do silêncio e preenchida pela voz de Oto através da fita cassete. E assim os dois seguem seus caminhos, cada um em seu silêncio particular cheio de significados.
O primeiro a tentar quebrar o silêncio é Yusuke mas é prontamente rechaçado mas como ele não desiste aos poucos Misaki acaba se abrindo ao chefe e ambos entendem o sofrimento, a culpa e o luto os unem. Ele por se sentir culpado pela morte da esposa; ela por se sentir responsável pela morte da mãe.
Em um dado momento após a escolha do elenco, alías, eu preciso dizer que os ensaios para a peça e a peça no final são a melhor parte do filme, sério! Eu me senti emocionada, tocada e transportada para aquela trama! Simplesmente perfeito!! E acho que o ponto chave da escolha do elenco foi justamente o fato de cada personagem narrar aquela história em uma língua diferente, inclusive por uma personagem muda que atuava em libras. Gente! Sério! O filme já vale por isso! Eu amei!!
Como já disse, dentro do carro é onde acontecem os melhores diálogos mesmo quando são feitos apenas de silêncio. Em um desses momentos temos um diálogo fenomenal entre Yusuke e um ator da peça, inclusive, o último amante de sua esposa, Takatsuki, onde usando do texto da peça ambos se revelam com relação a mulher que amaram, Oto. E toda essa conversa reveladora acontece na presença de Misaki que está dirigindo o carro.
A partir desse momento fica estabelecido entre Yusuke e a motorista um estreitamento nessa relação que é emblematicamente nos mostrado com o fato de Yusuke se sentar no banco carona do carro e não mais no banco de trás. Quanto ao amante da esposa, esse acaba sendo retirado da peça porque vai preso após cometer um assassinato. E Yusuke se encontra em um impasse: cancelar a peça ou assumir o papel de Tio Vânia que ele não consegue mais representar devida a carga emocional que o toma.
Para tomar essa decisão que é a virada de chave final para esse personagem atormentado por tantos sofrimentos, perdas e os lutos não concluídos ele precisa de um lugar calmo para pensar, refletir e decidir. Para tanto, ele pede que Misake o leve até a cidade natal da motorista. Nesse momento, ambos já sabem de suas dores, segredos, sofrimentos, tormentos e culpas e acabam desenvolvendo uma cumplicidade em forma de um apoio silencioso.
E assim, Misaki, se dirige para a sua cidade que fica no interior e aqui mais uma mensagem, né? Para tomar essa importante decisão ele precisa se dirigir ao seu interior ao mesmo tempo em que se entranha no interior do Japão. Chegando lá ele passam por uma catarse e ambos se perdoam e se redimem, uma cena belíssima.
Ele faz a escolha dele ao aceitar representar mais uma vez o Tio Vânia e essa cena que fica ao final do filme é simplesmente maravilhosa e carregada de emoções e significados. É libertador e tem a mensagem de esperança sem mencionar que a dinâmica de vários atores representando em sua língua mãe causam no espectador um frisson, uma identidade linguística porque percebemos que a arte transcende as barreiras da língua, que ela sempre irá encontrar uma forma de ser transmitida a quem tiver interesse e sensibilidade para captá-la.
E assim temos o primeiro final desse filme, o final que redime Yusuke em sua dor trazendo-lhe a esperança que ele anseia, quanto ao outro final esse fica ao encargo de Misaki que depois de sua epifania pode, finalmente, seguir a sua vida sem as amarras da culpa, da mágoa, da dor e assim ela é vista em um cenário pandêmico indo para o carro que ela dirigia para Yusuke e aqui entendemos que ela ficou com o carro, talvez por representar o luto superado pelo seu antigo dono e para ela significa o recomeço, a esperança; ela também tem um cachorro muito parecido com o do casal que aparece no filme e a cicatriz mais amena que também faz parte do processo de superação dela.
Considerações finais
O filme tem uma forma de contar essa história de maneira bem contemplativa, intimista, sensível. É um filme cheio de significados que vai do luto às crises existenciais da humanidade, nos traz enredos de base nas obras de Murakami e Tchékhov para mostrar a complexidade das relações humanas. A direção foi impecável, a fotografia excelente, o elenco muito bem escalado e os diálogos e principalmente a falta deles foram simplesmente sensacionais.
Não é um filme para todos, ele é muito longo e pode até ser cansativo mas você é cativado antes de desistir de assisti-lo. E mais uma vez eu preciso dizer que fiquei impactada com a cena final do teatro! Não consigo colocar em palavras as sensações que eu senti ao assistir aquele espetáculo! Tocou minha alma de uma maneira transcendental!
É uma experiência a ser vivida mas se preparem.
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