Annyeong haseyo!
Tudo bem com vocês?
E vamos de indicação de filme que concorreu ao Oscar de 2024?
Hoje trago considerações sobre “Vidas passadas”, um filme contemplativo, sensível, profundo, real e cativante, que nos mostra quantas vidas vivemos em uma mesma existência e o caminho que as nossas escolhas nos levam, como bem dito no filme “Se você deixa algo para trás, você também ganha algo novo”.
Já aviso de antemão que não é um romance clichê. Trata-se de uma trama muito bem construída e muito bem contado, acredito que a diretora, Celine Song, trouxe muito da própria história para este roteiro. O enredo é sobre dois amigos de infância que se amavam e se separaram quando a família de de um deles imigra para o Canadá; eles se reencontram mais de vinte anos depois e descobrem que o “E se…” é muito doloroso.
Celine Song faz sua estreia como diretora de cinema em grande estilo, já que foi indicada ao Oscar em seu primeiro filme. Sem mais delongas vamos às considerações.
Ficha Técnica
Filme: Past Lives
Hangul: 패스트 라이브즈
Roteiro: Celine Song
Direção: Celine Song
Protagonistas: Greta Lee, Yoo-teo e John Magaro
Gênero: Romance/Drama
Duração: 1h46min
País: Coreia do Sul, Canadá e EUA
Lançamento: 2024
Disponível: Telegram e Fansubs
Sinopse
Escrito e dirigido por Celine Song, Vidas Passadas é um fime que conta a história de Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo), dois amigos de infância com uma conexão profunda, mas que acabam se separando quando a família de um deles decide sair da Coréia do Sul e se mudar para a cidade de Toronto. Vinte anos depois, os dois amigos se reencontram em Nova York e vivenciam uma semana fatídica, enquanto confrontam as noções de destino, amor e as escolhas que compõem uma vida.
Fonte: Adaptado de https://www.adorocinema.com/filmes/filme-295050/
Protagonistas
Moon Na-young, cujo nome estrangeiro é Nora Moon, é uma imigrante sul-coreana canadense que deixa a Coreia aos 12 anos e vai com a sua família tentar a vida em outro país. Ela gostava de seu amigo, Hae Sung, mas depois que se estabelece em outro país, passa mais de duas décadas até que o reencontra ,e quando isso acontece suas vidas estão moldadas por suas escolhas e ambos já não cabem mais um na vida do outro.
Jung Hae-sung é o amigo de infância de Nora Moon que seguiu com a sua vida na Coreia do Sul, mas que nunca esqueceu aquele amor puro de sua juventude. Décadas depois, eles se reencontram e é quando a gente se questiona se a vida não vivida é mais bonita ou melhor do que a vida vivida.
Arthur é o marido americano de Nora. É um personagem cativante, amoroso, generoso e sensível, não tem como não gostar dele, de não torcer por ele, e isso traz mais melancolia à trama; sua atuação é belíssima, já que ele consegue nos transmitir sua insegurança, seu amor e seu respeito pela história de sua esposa.
Desenvolvimento
E a história começa assim, com dois adolescentes voltando para casa depois da escola e tendo os seus dilemas existenciais. Também nos é mostrado um casal empacotando seus pertences e organizando documentos e passaportes e já entendemos que eles irão se mudar. Eles são os pais da menina, Na-young, um escritor e uma artista, e como eles querem maior reconhecimento em suas respectivas áreas, decidem se mudar com a família para o Canadá.
Enquanto isso, somos apresentados de uma forma bem pincelada à relação desses dois adolescentes, Na-young e Hae-sung. Fica bem claro que o menino nutre sentimentos mais profundos do que amizade pela menina e ele está sempre á volta dela, sempre a ajudando, protegendo e a animando, e ela gosta dessa atenção que recebe dele, tanto que ela confessa à sua mãe que gosta dele e que gostaria de se casar com ele na idade adulta. A mãe sabendo que logo eles irão se mudar de país, resolve promover um encontro entre a filha e Hae-sung, para que ela tenha boas lembranças de sua terra natal.
Assim, eles vão em um encontro com as respectivas mães e, enquanto os jovens se divertem de maneira lúdica em um jardim com estátuas, as mães conversam. A mãe de Na-young fala para a mãe de Hae-sung que ela e a família estão indo morar no Canadá para tentarem alcançar o sucesso em suas carreiras, estão indo atrás do “sonho americano” e vão começar indo para um país mais próximo disso.
E é assim que Hae-sung descobre que sua amada amiga irá partir e ambos são muito jovens para entenderem o que significa essa mudança, ele fica visivelmente chateado com o fato dela ir embora, já ela nem tanto. Ela parece empolgada, fascinada e até ansiosa por mudar e por viver aquela nova vida, até porque ela é pouco mais do que uma criança. Os dois se despedem na escada sem muita emoção, apenas aceitando e seguindo em frente. Aqui suas vidas se dividem e cada um segue o seu caminho.
E assim a vida transcorre e vai acontecendo para os dois, cada um em sua respectiva realidade. Ela passando pelo choque cultural, pela solidão de ser uma estrangeira em uma terra que não é a sua, tendo que se adaptar à situação, se entender diferente naquele contexto, até aprender a como se portar naquele meio; ele continua a sua existência no seu país, o que não é mais fácil já que ser um homem coreano é, por si só, muito trabalhoso, afinal, tem o serviço militar obrigatório, a obrigação de estudar em uma boa faculdade, a obrigação de ter um bom emprego para só depois ser digno de construir a sua própria família e seguir o fluxo naturalmente imposto daquele sociedade.
E enquanto isso vai sendo desenvolvido, vamos percebendo que Hae-sung, apesar de continuar com a sua vida normalmente, ele sempre manteve Na-young em seus pensamentos, sempre acalentando aquele amor platônico e nos momentos mais difíceis se lembrando dela; já Na-young, agora com seu nome estrangeiro, Nora Moon, parece não se lembrar mais da sua vida na Coreia do Sul. Ela seguiu o fluxo, mergulhou na oportunidade e continuou com o sonho dos pais, mas agora focada na realização dela.
Depois de doze anos fora da Coreia, ela, finalmente, consegue se estabelecer em Nova Iorque, nos EUA. Claro que com um visto estudantil, mas sempre focada e em busca do “sonho americano”, que move os imigrantes àquele país. Ela é escritora e quer ganhar vários prêmios na área e ter o reconhecimento técnico de suas habilidades e para isso vai à luta. Em meio a tudo isso, ela lembra de que é coreana e dá uma revisitada em seu passado, enquanto está ao telefone com a mãe.
Nesse momento, ela lembra que chegou a gostar de um menino enquanto morava na Coreia e pergunta à mãe se ela se lembra do nome dele. Depois de pensar um pouco, Nora lembra do nome Hae-sung, busca na internet e tem uma surpresa quando descobre que ele já a havia procurado antes. E assim, os dois conseguem manter contato virtual. E é aí que eles relembram daquela época inocente e fomentam aqueles sentimentos esquecidos.
Aqui se estabelece um relacionamento virtual e é um delícia de vê-los “namorando” depois de tantos anos! Os dois estão empolgados e se curtindo, maaaaas, porque sempre tem um mas, né? A relação está se desenvolvendo e, mesmo que não houvesse o contato físico, os sentimentos vão ficando mais sólidos. Essa loucura da contemporaneidade e dos relacionamentos virtuais que aproximam quem está longe, mas que não consegue preencher o vazio da companhia física.
Da mesma forma que Nora Young começa a ansiar pela presença física de Hae-sung, nós também queremos e esperamos por isso e é aí que vem o balde de água fria. Ela sempre pergunta quando ele irá à Nova Iorque visitá-la, mas ele sempre evasivo diz que a prioridade é ir fazer um intercâmbio na China, já que precisa aprender mandarim por ser crucial na sua área de atuação. Ela se decepciona por não ser a prioridade dele; ela também só conseguiria ir à Coreia dali a um ano porque a bolsa de estudos que a mantém nos EUA só expiraria naquela época.
E apesar de ela querer muito vê-lo pessoalmente, ela também tem as suas prioridades. Quando ela entende esse impasse como algo intransponível, ela decide “terminar” o que eles têm e aqui faço um adendo: é engraçado terminar algo que nunca efetivamente começou, né? E ao mesmo tempo é totalmente plausível. Essa é a nova realidade virtual: nos apaixonamos e nos envolvemos em relações que de fato não existem! E tudo através de uma tela!
Isso é muito louco porque, ao mesmo tempo em que nos sentimos próximos das pessoas, na verdade, não estamos. Acaba se tratando apenas de uma “muleta emocional”, que até pode nos preencher por algum tempo, mas sempre sentiremos a falta do toque, da pele e da presença física.
Quando ela diz isso ao Hae-sung, claro que ambos ficam tristes, mas também entendem que é o melhor a fazer, até porque eles têm que seguir o fluxo da vida, né? E quando eles resolvem terminar com aquelas vídeo-chamadas, os dois dão curso aos seus projetos individuais.
Ele vai para a China e ela para o retiro de escritores, e o que ambos encontram é algo que também é retratado no filme, o “In-Yun”, o conceito coreano de destino, na verdade, destino amoroso. Ele encontra uma pessoa com a qual se envolve e ela encontra Arthur, que se tornará seu marido.
Sobre o conceito de In-Yun, eu achei belíssimo e ao mesmo tempo triste, já que se acredita que quando duas pessoas se encontram é porque elas completaram oito mil camadas de In-Yun, ou seja, oito mil vidas, e dessa forma elas se casam. E isso, pelo menos para mim, me tocou fundo na alma e me fez pensar em quantas pessoas já passaram pela minha vida em todas as formas de relacionamentos e quanto In-Yun elas representaram, e, talvez, dessa forma tão poética a gente encontre uma desculpa para os desencontros e encontros na nossa caminhada.
Voltando ao filme, temos mais um salto temporal de doze anos, totalizando o vinte quatro anos de separação física entre Nora Moon e Hae-sung. Depois de todos esses anos, após o término do namoro de Hae-sung, ele avisa à Nora Moon que está indo de férias para Nova Iorque e gostaria de vê-la. Porém, a essa altura da vida dela, ela já está casada com Arthur há sete anos e os dois vivem muito bem, aliás é um relacionamento muito bom e real. Esse é um detalhe importante, afinal, ela está feliz com seu marido, ela o ama, mas saber que o seu primeiro amor vem aos EUA mexe um pouco com ela.
Ela se abre com o marido e ele diz a ela que Hae-sung está vindo para vê-la, mas ela não acredita nessa hipótese. Aliás, gostaria de elogiar muito este personagem, Arthur, tão sensível, maduro e respeitoso com essa parte da vida da esposa. Ainda assim, fica inseguro e acaba se questionando se ela se casou com ele por ele mesmo ou qualquer outro americano teria servido? Afinal, eles se casaram apressadamente porque ela precisava do Greencard.
E aqui o diálogo do casal é também muito interessante e real, é justamente neste momento que Arthur pergunta se ele representa o ideal que os pais dela sonharam para a filha, se ele é suficiente para ela e ele confessa que Nora fala enquanto dorme, e quando ela sonha ela fala em coreano e ele percebe que existe um mundo, uma cultura, um idioma inteiro que o exclui da vida dela. E ele teme que reencontrar seu antigo amor possa trazer para ela essas memórias e lembranças de uma vida que ela não vive mais.
Intenso, né? E real, e plausível, e até então adormecido dentro dela. Depois de tantos anos vivendo em outro país, ela já se esqueceu muito da sua identidade cultural e isso não deixa de ser tentador. Afinal, quantas vezes nos pegamos pensando no “E, se…”, e o relacionamento entre ela e Hae-sung nunca de fato decolou e ambos têm essa ligação transcendental, cósmica, mas que nunca teve a chance de acontecer.
Ele ir à Nova Iorque acaba mexendo com algo que já estava quieto, adormecido. E quando Hae-sung chega à Nova Iorque temos a segunda metade do filme que é ainda mais bela, mais sensível e mais cheia de carga emocional e diálogos bem construídos e silêncios que nos gritam ao coração cada sensação dos personagens.
É tão intimista e delicado que somos arrastados àquela relação, àqueles sentimentos e àquela situação desconfortável e ao mesmo tempo desejada, e vemos tudo isso sendo expressado em um abraço, em vários olhares. Aliás, os olhares, esses fazem parte dos diálogos silentes, esses dois são almas que se reencontram em várias vidas, mas que não possuem In-Yun suficientes para estarem juntos.
O tempo em que eles estão passeando é tão lindo, triste, angustiante e revelador. Olha, Celine Song trouxe muito de sua própria história para o roteiro e trouxe muitas das suas emoções para as falas e reflexões que os personagens fazem e é belíssimo. A impressão que passa é que estamos lendo o diário de Nora e de Hae-sung. A fotografia teve o cuidado de nos transportar para o lugar das lembranças, das memórias, dos sonhos e ao mesmo tempo nos coloca no presente, mostrando que vivemos o que escolhemos no lugar onde devemos estar ou escolhemos estar.
Para cada escolha há a renúncia de uma outra coisa. Este filme é belíssimo, tocante, profundo e muito sensível. Eu chorei quase ao final da trama e não porque eles não ficam juntos, mas porque entendi as escolhas que foram feitas e os resultados que foram obtidos. E apesar de ser pulsante a intimidade entre esses dois amigos, naquela vida, eles deveriam seguir separados.
E falando em vidas, durante todo o filme eu tive a sensação de várias vidas sendo vividas em uma mesma existência pela mesma pessoa.
Considerações finais
É um filme delicado, profundo, sensível, intimista, contemplativo e que nos mostra de forma bem cotidiana a evolução dos fatos resultantes das nossas escolhas, bem como das escolhas do outro que também nos atinge. É sobre um primeiro amor que transcendeu à barreira do tempo e do espaço e que permaneceu perene entre esses dois personagens que, nesta vida, não puderam viver juntos, mas isso não apagou o sentimento, pelo contrário, é mais como uma prova para que em uma outra vida eles possam viver o In-Yun deles.
É um filme de muitas camadas e acredito que tenhamos um momento certo na vida para assisti-lo, sabe? Ele fala fundo na alma, com os nosso sentimentos e emoções. Não é sobre o amor clichê com final fantástico, não! Ele fala sobre o amor real, o amor possível, o amor construído por meio de objetivos afins, situações geográficas compatíveis e que dentro da realidade também pode ser muito belo, muito comprometido e companheiro.
Eu fiquei bem contemplativa e reflexiva com a trama. Gostei demais de como a história nos foi contada, foi tudo muito bem planejado e executado pela direção. A luz, a fotografia, a trilha sonora, a forma como a câmera foi usada, o enquadramento dos personagens dentro de cada cena, a preocupação de mostrar e trazer uma aura íntima, individual, como se nós fôssemos aquelas pessoas tendo aqueles pensamentos e aqueles diálogos. A forma como a vida e o seu passar pelos anos foi-nos parecendo natural e real. De uma sensibilidade absurda. Mereceu concorrer ao Oscar pelo roteiro original e, também, como melhor filme. É uma joia da dramaturgia e uma excelente maneira de Celine Song estrear em Hollywood.
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